sábado, 29 de setembro de 2007

O Mito da Inexistência

Os mitos e as lendas têm vindo a preencher as nossas culturas e as nossas tradições, porém estes mitos e estas lendas não podem tornar-se verdade, afinal são mitos e lendas. É certo que alguns mitos se encontram no limiar da verdade, mas é um sério risco acreditar que sejam verdadeiros. Não me refiro a factos que se consideram mitos, refiro-me a mitos que se consideram factos. O mito mais perigoso de se aceitar como verdadeiro é o mito da inexistência de Deus, por várias razões, sendo a primeira que tem de considerar o facto mais importante da História um mito, este facto é a existência de Deus.

Neste texto eu não vou dizer que Deus existe, embora o considere, mas também não vou dizer que é falso que Deus não exista, apenas vou dizer que é logicamente impossível alguém ser ateu. Haverão outras oportunidades para seguirmos uma linha de pensamento e chegarmos a nobres evidências acerca da existência de Deus. O que eu desejo que fique claro neste texto é que nós enquanto seres humanos nunca poderemos dizer “Deus não existe”, ainda que porventura Ele não exista.

"Seguindo este raciocínio surge uma ideia fantástica,
é que apenas um ser como Deus tem a possibilidade de
dizer convictamente que Deus não existe,
o que obviamente seria um contrasenso"

Só existem duas maneiras de provar inexistências, uma é o conhecimento absoluto (chamemos-lhe assim) e outra é a existência de contradição (chamemos-lhe assim). O conhecimento absoluto consiste em termos total conhecimento do “espaço” a que nos referimos para provar determinada inexistência, imaginemos um baú, queremos provar que lá não existe nenhum livro, a única maneira é ter conhecimento de todo o baú, se eu tiver visto apenas metade deste baú, não posso dizer que lá não existe nenhum livro, posso apenas dizer que na metade do baú, não existe nenhum livro. Ora enquanto seres altamente limitados, o que dizem os ateus quando declaram que Deus não existe, é que conhecem todo o espaço, todo o tempo e todo mais qualquer coisa que possa existir. Dizem que em momento algum da História (antes ou depois de existir o próprio tempo) Deus existiu, seja lá onde for (seja ele um lugar físico ou não). Então neste sentido aplicam-se bem as palavras descritas na Bíblia Sagrada: “Diz o ignorante no seu coração: Não há Deus.”(1) É preciso ser muito arrogante para uma criatura com uma capacidade tão tacanha considerar facto que Deus não exista. Esta pessoa só se pode remeter, no mínimo, a um estado de desconhecimento. Nem se pode atrever a dizer: “Deus não deve existir” nem “Quase de certeza Deus não existe”, isso seria dizer que enquanto conhecedor de uma ínfima parte (que em proporção nem sei definir) do baú dizer que lá não existe livro algum. É simplesmente absurdo, dizer que Deus não existe. Seguindo este raciocínio surge uma ideia fantástica, é que apenas um ser como Deus tem a possibilidade de dizer convictamente que Deus não existe, o que obviamente seria um contrasenso. Ou seja, o ser com acesso a “todos os recantos do todo” tem os atributos de Deus e se tem os atributos de Deus, é Deus (caso contrário não poderia aceder a “todos os recantos do todo”).

A segunda maneira de provar inexistência é a existência de contradição, que consiste em encontrar algo que se existir faça anular a existência de uma outra coisa, caso de alguém dizer que tem 50 anos mas no bilhete de identidade (actualizado) dizer 40, como as duas não podem existir em simultâneo, então uma delas é falsa, não existe. Várias pessoas têm usado isto para fundamentar a sua vontade de que Deus não exista. Baseiam-se em argumentos que de alguma maneira parecem pôr os atributos de Deus em dilema. Mas isso acontece por duas razões, ou porque o atributo está mal compreendido, ou porque Deus não tem nada a ver com o caso. A título de exemplo:

“Um pai mata a filha e Deus não faz nada?” - Deus decretou leis e vai julgar o mundo, mas isso não significa que tenha de intervir de uma forma fulminante, tanto mais que Deus quer transformar uma pessoa e não aniquilá-la. Este é um exemplo do primeiro caso, no qual o Deus justo, supostamente não faria justiça, vimos que a faz mas não tem de ser de imediato.

“Se Deus existisse, não existiria guerra” - Este é o exemplo do segundo caso, Deus não tem nada a ver com isso, está desiludido e as pessoas que provocam a guerra vão ter o devido castigo se não se arrependerem, mas Deus não provocou guerra nenhuma, ainda quando usam o Seu nome para fazer uma guerra.(2)

É óbvio que não há espaço de explorar melhor os argumentos e até ver outros, mas o importante é que nenhum deles demonstra a inexistência de Deus, todos se baseiam numa incompreensão daquilo que é Deus na sua verdadeira forma.

É impossível dizer que Deus não existe, essa declaração não tem qualquer alicerce, não passa de um mito, ninguém o pode afirmar. Não vale a pena tentar destruir argumentos teístas, isso nunca há de fortalecer essa ideia, seria como tentar dizer que aquilo que alguém encontrou num baú, não é um livro, mas ainda que não fosse, continuar-se-ia muito longe de se conhecer o baú, para se dizer alguma coisa provável. Pode-se insistir em procurar maneira do baú não conter o livro, mas nem o livro é conhecido na totalidade. Para finalizar e ainda em metáfora, humildemente digo que conheço deste baú muito menos que alguns outros, porém do pouco que conheço já vi o livro, aliás quase tudo é livro.

(1) Salmo 14:1

(2) Deus unicamente no Velho Testamento incitou guerras, porém tinham unicamente um carácter de justiça.


10 comentários:

Unknown disse...

Muito bem escrito.

No entanto lembro-me de há uns bons anos ter lido um argumento de Carl Sagan no livro "Um mundo cheio de demónios"(sem relações teológicas) que descrevia bem qual é a abordagem da ciência em relação à verdade.

Ora ele dizia qualquer coisa como "se alguém nos diz que tem um dragão a viver na garagem e justifica o facto de não conseguirmos saber da sua existência por ele ser invisivel, inodoro e incorporeo, será que podemos acreditar na sua existência só pela palavra desse alguém?"

O método cientifico determina que para algo existir tem de ser passivel de algum tipo de medição. Para um cientista se não podemos provar que existe então é o memso que dizer que não existe.

Desse ponto de vista o argumento aqui apresentado seria muito frágil.

No entanto eu não sou cientista e não penso como um. Não preciso de medições para ter fé. Apenas não tenho qualquer fé na religião como veiculo de uma vontade divina.

Acredito acima de tudo que a ética é a melhor forma de seguir os desejos de Deus (seja qual for a acepção deste), desejos que deviam ser os de todos os seres humanos sem excepção. A moral tem graves falhas ao ser um conjunto de regras e não uma vontade de bem vinda de dentro.

Parabéns pelo blogue Rute e Natenine ;) Óptima escrita ajuda sempre a passar boas mensagens!

natenine disse...

menosketiago, antes de mais muito obrigado pelo teu comentário.

Como autor deste post gostaria de poder transmitir toda a dimensão do meu pensamento em relação a este assunto, mas, como é óbvio não sou capaz, ainda para mais com um só texto. É neste sentido que o teu comentário e o de outros é bastante útil.

A questão que levantas quando dizes que em ciência o que não podemos provar que existe, não existe, faz todo o sentido e eu concordo.
Mas o texto que escrevi pergunta, tendo em conta o contexto do teu comentário, qual a esfera a que alguém se refere quando diz que algo não existe. Uma garagem? Um Planeta? O Universo? Todo Espaço e todo o Tempo?

Há provas para a existência de Deus? sim ou não, o que digo é que a a esfera para a qual nos referimos é demasiado grande, para nos pronunciarmos de uma maneira convicta negativa.

Mais uma vez obrigado pelo teu contributo.

Anónimo disse...

Palavras interessantes!! ;)

Dário Cardina Codinha disse...

"em ciência o que não podemos provar que existe, não existe". Mas o que é isto? Falta aí uma certa compreensão da frase e do contexto.
Há uns anos não se sabia que existiam buracos negros, na prática. Com medições vimos que havia. A prova final foi a observação indirecta destes. Os neutrinos e os bosões têm desde há pouco confirmação experimental mas não quer dizer que antes não se acreditasse. A ciência é assim: O que não se sabe tenta-se provar e demonstrar. Se as tentativas falharem é porque algo está errado. Algo mais forte do que o método científico? Foi com base neste que toda mas TODA (que é muitíssimo mais do que pensam) a ciência evoluíu.

Unknown disse...

Confesso que, inicialmente, sua argumentação me deixou preocupado, rs, mas a achei excelente a medida que foi discorrendo-a...

Parabéns e continue assim...

Anónimo disse...

"É preciso ser muito arrogante para uma criatura com uma capacidade tão tacanha considerar facto que Deus não exista. Esta pessoa só se pode remeter, no mínimo, a um estado de desconhecimento. Nem se pode atrever a dizer: “Deus não deve existir” nem “Quase de certeza Deus não existe”, isso seria dizer que enquanto conhecedor de uma ínfima parte (que em proporção nem sei definir) do baú dizer que lá não existe livro algum. É simplesmente absurdo, dizer que Deus não existe."


E o que faz vc achar que tem mais conhecimento do que os ateus? Pois se vc cita palavras bíblicas que afirmam que "é preciso muita arrogância para negar a existência de Deus", certamente/explicitamente vc tem provas de que Deus existe.
Eu não vi tais provas até o momento. Observe que há milhões de anos de discordância entre religião e ciência.

Todo mundo que diz ter provas de existência de deus, o diz baseado unicamente nas próprias emoções: "eu sinto Deus", "a natureza é linda, só pode ter sido criado por uma força inteligente que chamamos de Deus", "o mundo não pode ter sido criado do nada". E quem disse que o evolucionismo defende que tudo veio do nada?

Tudo tem uma causa. Portanto, qual a causa de deus? O teísmo é por si só, contraditório.

natenine disse...

Aragão

Eu não tenho mais conhecimento que os ateus, não me sinto como tal, se analisou o texto eu só digo que do pouco que conheço do todo "vi Deus".

Existem muitas provas mas sempre é preciso fé, é preciso fé para beber um copo de água e crer que realmente não se trata de ácido sulfúrico, é tudo uma questão de analisar para o que é preciso mais fé. O que será mais plausível, para que ideia há mais indícios?

Eu posso-te mostrar alguns indícios de Deus que eu conheço mas gostaria de saber se é possível ser convencido. Eu posso convencer-te de que Deus existe ou é tarefa impossível?

Milhões de anos entre religião e ciência? de facto não, tanto a ciência como a religião são coisas muito recentes.

De facto o evolucionismo não defende que tudo veio do nada, mas o naturalismo diz que tudo tem uma causa natural e isso não pode ser provado também. De facto pessoas dizem ter sentido Deus e eu não nego, eu mesmo tenho sentido, mas não tomo a minha experiência pessoal como prova para os outros. De facto como disse existem muitos indícios e você mostrou alguns, o que para si seria uma boa prova da existência de Deus?

Quanto a mim o teísmo tem todo o sentido, tudo tem uma causa é a lei da causalidade e não tem, de facto, necessariamente nada a ver com teísmo. O que se crê é que existe uma causa primeira (veja o argumento de kalam) uma antes de todas que sustenta todas, um ser para lá dos espaço e do tempo, eterno e imutável, isso é Deus.
Agora entra a questão da fé, Deus criou tudo ou simplesmente tudo apareceu com perfeição sublime?

Ravick disse...

" apenas vou dizer que é logicamente impossível alguém ser ateu."

E nem crente.

Não se pode ser ateu ao se levar em conta o fato de que não se pode provar a inexistência de nada. Logo, não és lógico ao dizeres que não crês no Papai Noel, por exemplo.

E nem crente em deuses, posto que são intangíveis,e, sendo assim, só acredita quem *quiser*.

A postura filosoficamente mais acertada é o agnosticismo

;)

natenine disse...

Caro Ravick, obrigado pela participação. Queria no entanto esclarecer algumas coisas. De facto este texto prova a impossibilidade de provar uma inexistência a não ser que se conheçam todos os "locais" ou "formas" do objecto de investigação.

O mesmo acontece com o pai natal, ovnis, etc. A apresentação da prova está do lado de quem afirma, neste caso, sou eu. O texto serve apenas para dizer que o ateísmo no verdadeiro sentido da palavra me parece muito difícil. No máximo um agnóstico.

O agnóstico deve estar aberto a "provas", porque de facto o que ele diz é: "Não sei se Deus existe". Se não sabe certamente estará aberto a "provas".

Outra coisa, este blog não tem sido actualizado, para outros texto da temática acompanhe o meu.

Um abraço.

Anónimo disse...

Interessante seu artigo, mas você errou numa pequena coisa os ateismo em sí, não diz "Saber que deus não existe", o ateismo diz "Não acreditamos em deus, não temos fé em deus".

Eu não posso afirmar que deus não exista, da mesma maneira que não posso afirmar que não exista um dragão voador invisível e incorpóreo.

E vale lembrar também, pelo que você não pode provar a inexistência dos outros deuses, como os deuses hindus, ou Zeus e Thor, ou de qualquer outra deus..

Recomendo que procure saber um pouco mais sobre ateísmo. Ninguem pode afirmar que sabe que deus não exista, da mesma maneira que não pode afirmar que saiba que fadas e duendes não existam, afinal quem garante que talvez não existam fadas, que estejam muito bem escondidas?